Tecnologia


Embora o Chile disponha da infra-estrutura de telecomunicações e dos sistemas de pagamento eletrônico mais adiantados da América Latina, goze de estabilidade econômica e política ímpar, e ostente as taxas mais altas de computadores pessoais e de penetração da Internet na região, o investimento em tecnologia de informação (TI) e seu uso como instrumento de gestão não demonstram o mesmo dinamismo, obrigando o Governo e o setor privado a tomarem a iniciativa no assunto para diminuir o fosso digital, impulsionar o comércio eletrônico e aproximar o Chile dos padrões de investimento dos países desenvolvidos.

Fruto da liberalização precoce e do forte desenvolvimento das telecomunicações na década de 1990, juntamente com os recentes avanços em ‘governo eletrônico’, atualmente qualquer empresa chilena pode pagar as contribuições previdenciárias de seus empregados, revisar suas contas correntes e solicitar empréstimos bancários por meio da Internet. Da mesma forma, mas em outro servidor, pode pagar seus impostos, tramitar licenças e participar de leilões públicos, trocar informações comercias, cotizações, especificações técnicas com clientes e fornecedores, subcontratar aplicativos, armazenar e processar bancos de dados remotos e fazer parte de um mercado virtual dentro ou fora do país.

No entanto, analistas e acadêmicos afirmam que a oferta de uma gestão mais eficiente - por enquanto - se limita à teoria e não faz jus ao 28º lugar ocupado pelo Chile no respeitado E-readiness ranking da Economist Intelligence Unit (EIU), estatística que avalia os países segundo seus potenciais de desenvolvimento do comércio eletrônico e que classifica o país na melhor posição da América Latina, seguido pelo México, em 30º lugar.

De acordo com informação recente do Centro de Estudos de Economia Digital da Câmara de Comércio de Santiago (CCS), embora cerca de 69% das empresas chilenas estejam conectadas à rede, sua utilização da tecnologia digital é básica: somente cerca de 25% delas dispõem de um website, 11% utilizam os websites como plataforma de vendas e 16% para compras de insumos e para se relacionarem com seus fornecedores.

Estes números estão distantes dos de países como a Suécia e a Alemanha, onde quase todas as empresas estão conectadas, mais de 80% delas dispõem de websites e cerca de 40% realizam vendas online. Nos Estados Unidos, entretanto, 56% das empresas compram insumos pela Internet, proporção que chega a impressionantes 70% no caso da Suécia, segundo as estatísticas da associação comercial de Santiago.

Divórcio entre a TI e a criação de valor
George Lever, gerente de Estudos da CCS, explica que um dos principais motivos para os baixos números chilenos é a falta de visão dos empresários e gerentes não-tecnológicos de empresas locais, “que não perceberam a criação de valor” implícita no emprego das novas tecnologias.

“As tecnologias da informação são vistas como complexas e caras. As empresas não vêem vantagens em incorporá-las a seus processos porque não as percebem como um instrumento estratégico de desenvolvimento de negócios”, afirma Lever.

Uma opinião semelhante é defendida por Ricardo Stevenson, gerente geral no Chile da consultoria International Data Corporation (IDC), que ressalta que, apesar de o país possuir a melhor infra-estrutura para o desenvolvimento da Internet, “isto não se manifesta no uso mais inteligente de toda esta tecnologia, como acontece com os países vizinhos Argentina e Brasil”.

“Um exemplo próximo é o de Buenos Aires, onde a maioria dos estabelecimentos comerciais utiliza a Internet em seus processos de vendas, o que ainda não se vê aqui em Santiago”, queixa-se Stevenson.

Para o executivo da IDC, esse emprego não-inteligente da TI é ainda mais evidente nas pequenas e médias empresas chilenas. “As estatísticas indicam que somente cerca de 18% delas utilizam algum software de administração, enquanto a maioria restante emprega seus terminais como meros processadores de texto, além de algumas aplicações do Excel. Definitivamente, estão longe de convertê-los em um instrumento de gestão para administrar o negócio com eficiência”, critica ele.

Além dessa subutilização, Lever menciona ainda uma espécie de barreira cultural, que fica evidente quando se analisam estudos nos quais muitas empresas respondem que a tecnologia “não lhes interessa ou que não lhes parece necessária”, seguida da falta de preparo do pessoal ou da desconfiança causada de modo geral pela TI.

Caráter empreendedor escasso
Em comparação com seus pares de países vizinhos, os analistas concordam que as pequenas e médias empresas chilenas enfrentam uma pressão adicional para incorporar com rapidez as novas tecnologias em seus processos produtivos: a necessidade de serem mais competitivas para enfrentar os cenários que se abrem com os Acordos de Livre Comércio (ALC) assinados recentemente com a União Européia, os Estados Unidos e a Coréia do Sul.

“Na Argentina e no Brasil, as empresas de menor tamanho estão mais orientadas para a competição no mercado local ou intra-regional, mas sabe-se que um cenário muito diferente é enfrentado pelas firmas exportadoras do Chile”, explica José Miguel Benavente, professor-assistente do Departamento de Economia da Universidade do Chile.

Mas todas as empresas devem, necessariamente, incorporar a TI? Para Benavente, a resposta é negativa.  Ele considera que a contradição nada mais é que o custo do aprendizado. “Assumir a TI é um processo complexo. Muitas empresas não acham que ela traz benefícios palpáveis e ainda há desconfiança com relação ao B2B. Além disso, é preciso reconhecer que nem todas as empresas precisam investir em TI por estarem em setores mais tradicionais”, esclarece Benavente.

Outro fator que afeta o desenvolvimento da tecnologia da informação é o escasso caráter empreendedor.

Este país está "muito bem classificado quanto” aos seus índices de estabilidade econômica e política, plataformas de comércio eletrônico e digitalização, insiste José Miguel Piquer, diretor do Departamento de Ciências da Computação (DCC) da Universidade do Chile, “mas o contraditório é que não há grandes tomadores de risco e investidores dispostos a entrar em outros segmentos além dos tradicionais”, geralmente associados no Chile a matérias primas e recursos naturais.

O professor explica esse conservadorismo nos investimentos pela ausência de referências a serem seguidas. “Aqui no Chile não há exemplos de alguém que tenha inventado um avanço tecnológico transcendente e que, por esse motivo, tenha ficado milionário”, diz.

Piquer acrescenta a isso o desencontro que muitas vezes se observa entre empreendedores e investidores de risco: os primeiros se queixam de que os recursos não chegam até eles e os outros de que não surgem bons projetos. “É o dilema do ovo ou da galinha”, explica.

Agenda Digital
O lento avanço da TI no Chile adquiriu prioridade para o governo e para o setor privado, que entraram em acordo na chamada ‘Agenda Digital’. A iniciativa procura “transformar o Chile em um país digitalizado até 2010” e, para isso, resolveu-se entrar em uma nova etapa de interoperabilidade dos serviços públicos, privilegiando a melhora do atendimento das necessidades das empresas e dos cidadãos.

Em outro ponto, a agenda pretende consolidar as leis e normas já vigentes para fomentar a eficiência mediante processos digitais, tais como a ‘fatura’ e a ‘assinatura’ eletrônicas.

Apesar das evidências, Lever argumenta que não é difícil eliminar esse tipo de barreira cultural que impediu uma implementação maciça da TI no Chile. O desafio, acrescenta, é criar um 'meio ambiente' que fomente o seu uso e por isso é otimista com relação às responsabilidades que as próprias empresas e o Estado conciliaram na ‘Agenda Digital’.

Para o analista da CCS, um aspecto fundamental é o surgimento de mais atores dominantes, como a plataforma eletrônica projetada pela estatal Servicio de Impuestos Internos (SII) para declaração e pagamento de tributos pela Internet, que ele qualifica de nítida impulsionadora do crescimento da TI no Chile, “já que os benefícios em custos e em economia de tempo são evidentes e se trata de um elemento capaz de superar a barreira cultural por meio de seu efeito multiplicador”.

Lever e Stevenson concordam que esta é uma área em que as empresas chilenas lideram a cena digital mundial. Em dados da CCS, 49% delas utilizam a ferramenta do SII, muito acima da proporção observada nos países desenvolvidos. De fato, o Chile é seguido de muito longe pela França (18%) e pela Austrália (16%).

Stevenson também destaca o portal Chilecompras – o sistema de contratação e de compras públicas - plataforma que obriga todos os fornecedores do Estado a participarem das licitações de modo eletrônico. “Em outras palavras, quem não está online fica fora do negócio. Simples assim, declara o executivo do IDC.

Atualmente o chilecompras.cl conta com 29.000 fornecedores inscritos, ativos, e 58% das aquisições são comunicadas por meio do website.

Considerado um dos ícones da economia digital pelo governo, a fatura eletrônica começou a operar de modo piloto em meados de 2002. Até o último mês de agosto, o SII havia recebido 1,7 milhão de documentos tributários eletrônicos, o que representa aproximadamente 1% dos documentos tributários emitidos a cada trimestre.

A análise da CCS prevê que no final de 2005 cerca de 40% dos documentos tributários chilenos serão emitidos eletronicamente. Entretanto, para que isso ocorra, o modelo de faturamento eletrônico deverá crescer a taxas anuais de 370% no período, ou seja, deverá quase quadruplicar anualmente.

Segundo Lever, se as mudanças regulatórias se concretizarem e em uma segunda fase forem estabelecidos procedimentos de apresentação de provas eletrônicas perante os tribunais, aplicações como a fatura eletrônica “contribuirão para dar sentido e estender amplamente o modelo de certificação e de assinatura eletrônica”.

Objetivos: duplicar os investimentos e exportar US$ 1,5 bilhão em 2010
As metas dos envolvidos na ‘Agenda Digital’ chilena são ambiciosas: Andrés Navarro, presidente da Sonda – a maior exportadora de software da América Latina, da qual passou a fazer parte recentemente a gigante Intel – fez um apelo em um encontro do grupo para “duplicar a produção tecnológica nacional até se chegar a deter uma porcentagem do PIB equivalente à do vinho ou à dos salmões (os principais produtos de exportação do Chile, juntamente com o cobre)”.

Em conseqüência desse objetivo, Navarro acha que os capitais de risco têm um papel primordial. Contudo, o empresário advertiu que estes fundos não estão sendo aproveitados em sua totalidade “por falta de idéias e de proponentes”.

Nessa linha, têm surgido iniciativas no setor acadêmico que pretendem captar o interesse dos investidores em capital de risco. Trata-se das chamadas incubadoras de negócios, em que a Universidade do Chile e a Universidade Adolfo Ibáñez – juntamente com a Access Nova e a Octantis, respectivamente – se destacam com cerca de 20 projetos inovadores de incubação cada uma e médias de investimento inicial em torno de US$ 200.000.

Atualmente, a industria de TI representa no Chile uma porcentagem próxima a 1,2% do PIB, número que se equipara aos investimentos do setor e que não é diferente dos valores que apresentam mercados como os da Argentina e do Brasil, mas que está longe do equivalente a 3,5% do PIB anual, que é o que investem em TI as nações mais ricas.

De acordo com projeções da Associação de Empresas de Tecnologias de Informação (ACTI), é possível fomentar o desenvolvimento da indústria chilena de TI para que chegue a 3,8% do PIB, assim como a exportação de tecnologias. A entidade propôs como objetivo chegar a 2010 com vendas ao exterior de cerca de US$ 1,5 bilhão.

E como se conseguirá isso? A Associação pretende se concentrar em nichos de negócios específicos em que o Chile poderia criar vantagens competitivas. A priori  foram definidos quatro nichos possíveis: terceirização de software, desenvolvimento de tecnologia associada a clusters (ou consórcios de exportação), serviços habilitados por sistemas digitais e soluções de TI para o resto da América Latina.

Da perspectiva do governo, os ALCs (Acordos de Livre Comércio) assinados pelo Chile são de real importância e graças a eles se espera que ingresse no país uma nova onda de investimentos privados em alta tecnologia.

Na opinião de Lever, o Chile não apenas deve se aproximar das porcentagens do PIB dos países desenvolvidos, mas também ultrapassá-las para enfrentar o fosso digital. “É um fator crítico que implica em maior competitividade. Temos que romper essa defasagem e ainda ir além, considerando que estamos interconectados ao mundo”, afirma.

O professor Piquer também prevê um maior dinamismo. “Temos um grande potencial no Chile e, como já destacamos, de certa forma não aproveitado. A economia digital chilena tem capacidade para competir de igual para igual com países não pertencentes à América Latina e com nível tecnológico similar ao nosso, como a Polônia, a República Checa, Israel e a Grécia”, diz.

O melhor ambiente também se baseia na avaliação, feita pelas empresas, do uso da Internet que, de acordo com a CCS, “é bastante favorável”. Cerca de 66% das empresas conectadas consideram ter obtido aumentos de eficiência, 57% incrementaram a produtividade graças à Internet e 49% declaram ter obtido reduções de custos. “Além disso, 40% das empresas aumentaram a participação no mercado e uma porcentagem não desprezível de 33% registrou aumentos de vendas associados ao uso de ferramentas de TI”, conclui o estudo.

O otimismo no futuro próximo da economia digital também é observado na vizinhança. A empresa de consultoria IDC espera que os mercados de TI da América Latina cresçam entre 6 e 7% em 2004. Na média, o investimento em TI na América Latina, em cada país, representa cerca de 1 ou 2% do PIB, com a  Venezuela no extremo inferior e a Colômbia no superior.

Fonte:http://www.wharton.universia.net

Grupo: Fernanda, André e Ana Carolina.

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